Lá vem Maria

ONDE ME ATENHO, MORRO

maio 9, 2011 por

Este texto traz as primeiras de uma série de colocações pautadas nos vinculos em suas múltiplas faces e versões.  Condensa muitos dos aspectos que serão posteriormente abordados e poderia servir como conclusão. Não sei se, no caso, a ordem altera ou não o resultado. Mas, se altera, espero que antes de ser compreendido, o tema seja apenas sentido.

ONDE ME ATENHO, MORRO

Não sei nomear o autor, mas sei que para além das regras, das normas e convenções há a lei, expressa na frase: onde me atenho, eu morro.

A doença vista por este ângulo assinala estagnação, bloqueio da aprendizagem necessária a transformação de obstáculos em crescimento ou interrupções na realização do potencial do individuo ou grupo.
Doença aqui, entendida sem as dicotomias ou fragmentações próprias do pensamento cartesiano; sem separação corpo – psique – alma, e sem desconexão da pessoa e seu universo familiar ou sociocultural. Mas reconhecida como sinalização do individuo, para si e para o grupo, que algo impede a vida de fluir.

 

Sim, porque vida é movimento em direção à evolução e à amplitude da consciência. Requer, ao longo do trajeto, conquista de uma gama maior de soluções às questões com as quais nos deparamos. Permite e exige, nas diferentes conjunturas, a ampliação de variáveis a serem construídas e consideradas. Conseqüentemente, nos leva à crescente flexibilidade e complexidade de nossos pontos de vista.
As afirmativas acima não remetem a corrida tecnológica ou à ruptura dos vínculos ou ao abandono dos grupos de pertencimento. Antes falam da situação paradoxal inerente ao ser humano: crescer e continuar sendo o que essencialmente é. Diferenciar-se, individualizar-se, mas manter suas raízes e consolidar o pertencimento. Referendar os valores que norteiam o posicionamento frente ao mundo, mas também reconstruí-los, redefini-los, para que em circunstâncias diversas, não se tornem disfuncionais.
Saúde é equilíbrio, ouvimos ou lemos freqüentemente. Mas o que significa equilíbrio? Quem pode nos dar medidas convenientes? Quem pode nos dizer onde ele começa ou acaba? Qual a receita?
Bem, aprendi acertando e errando que as medidas são de cada um e para cada situação e circunstância elas mudam. Equilíbrio para ser o que o nome diz, precisa ser construído e constantemente reconstruído, de acordo com diferentes pessoas em seus diversos contextos e diversos momentos.
Parece algo inatingível?
Difícil sim, inatingível não.
Difícil e variável. Somos pessoas. E pessoas são potentes e falíveis. Erram, acertam, reconstroem, ganham, perdem, resgatam. Muitas aprendem e crescem, muitas desistem e se alienam. Pessoas caminham em tempos e formas diferentes e por caminhos diversos.
Possível porque temos conosco o mapa. As informações que precisamos para escolhas pertinentes estão em nós.
Difícil exatamente porque não somos afeitos a apropriação de nossos sentimentos e a aceitação do que somos.
Possível porque nossas doenças ou nossas dores nos dão a oportunidade de vencer barreiras, corrigir rotas, aprender e mudar e, principalmente nos conectarmos com o universo que somos. Ou, de acordo com os ensinamentos de Edward Bach, positivar* o que nos adoece e aproximar personalidade e alma.

É verdade que vivemos em família, pertencemos a comunidades, somos pressionados ou induzidos a atender à lealdade grupal. Afinal a necessidade de pertencimento é inerente ao individuo. Resta então perguntarmos: se somos coniventes com a estagnação do grupo de pertencimento estamos sendo leais ou ajudando na produção da doença? E se buscarmos nossa própria transformação, realizando nosso potencial a lealdade fica comprometida, ou será que assim damos ao grupo a oportunidade de voltar ao movimento, ao crescimento, à aprendizagem?

Somos unidades complexas, impulsionados pela lei que rege a vida: evoluir, concretizando potenciais. Mas somos parte e respondemos as expectativas do todo ao qual pertencemos. E enquanto todo e parte, também participamos da estagnação ou da evolução e podemos interferir, reconotar e revitalizar valores, inserir novas possibilidades. E, enquanto positivamos o que nos adoece, enquanto aproximamos personalidade e alma, podemos dar ao grupo chance de se transformar sem, contudo, deixar de ser o que essencialmente é.

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GOSTO DE LARANJA

maio 6, 2011 por

Seria poeta e enalteceria as veredas de minha infância. Não aprendi a versejar, nem existiam veredas nas terras onde cresci. Mas os caminhos desnudos sempre desembocavam em pomares, fartos de frutas a curvar galhos e galhos.

Na memória não há rimas, mas o gosto da laranja recém apanhada que minha mãe descascava e distribuía aos filhos. A bacia cheia, a roda no entorno, o cheiro do sumo se desprendendo da casca, a pele branca e sem machucados e o prazer raro exibido pela mulher que nunca descansava.

Fortuitos momentos nos quais me ensinava a amar.

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La vem Maria

maio 4, 2011 por

La vem Maria

enrolada em seus trapos que chamam de manto.

Com papel e lápis,

retratando a cidade

e seus rostos torpes ou belos,

lá vem Maria.

Maria que é gueixa e também guerreira.

Maria menina.

Maria senhora.

Maria travessa.

Maria que é a Maria que somos.

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A LUA DO MEU QUINTAL

maio 4, 2011 por

A lua salta sobre nuvens como se fossem fundo. Auréolas a contornam, do branco ao ferrugem.

Ela passeia entre nuvens ou as nuvens passeiam?

Talvez tudo se mova com agilidade, embora de meu ponto de vista, siga em lenta leveza.

No trajeto, grumos escuros e pesados cerceiam o brilho. Mas grumos são passageiros, como passageiro é o momento de agora. Parecem sem movimento, mas as formas que tomam o céu se alteram.

Aqui no meu quintal o zunzunar dos grilos oscila e persiste. Parecem alheios à lua, às nuvens e aos meus pensamentos que disputam atenção com o céu.

Bastou esperar e do outro lado dos grumos a luz quase arredondada reaparece. De novo provoca ilusão, fingindo sobrepor-se à camada branca e, de novo, produz arcos, do translúcido ao  ferrugem. Mas o movimento continua e a lua escorrega rumo à próxima barreira.

As barreiras é que se movem, diria um anjo torto, que um dia tropeçou e caiu. Sem preparo para esse mundo andou atropelando e sendo atropelado, até que sumiu. Talvez esteja lá, entre tolhas brancas e felpudas,  pintando pontos de luz.

Ele insistiria na correção: os pontos são estrelas que estão a distâncias inimagináveis e muitas já deixam de iluminar o universo.

Os pontos logo somem para reaparecer mais tarde, sem nenhum pudor, enquanto aqui, um vagalume passeia na árvore escura, disputando com as projeções do infinito, mas logo cansa do próprio assanhamento e desaparece, apagado e silencioso.

Um novo ponto de luz, semelhante ao vagalume e às estrelas, guardada a distância e a proporção, corta o céu.  É só um avião que leva muitos para além das nuvens, mas não da lua.

No meu quintal a noite é  fresca e os grilos persistem na cantoria. Posso ficar ou sair, rir, chorar, brigar ou orar. Talvez possa fazer com que os vagalumes desistam, mas não posso cercear a lua ou as estrelas.

O mundo prescinde dos humanos e de suas guerras, sejam pequenas ou grandes.

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DE ONDE SOU?

maio 3, 2011 por

Do lugar onde moro posso ver o Pico Paraná atracado à cadeia de montanhas que cerca a baía. Também posso acompanhar o sol pintando o céu em cores não encontradas nos mostruários de tinta, enquanto se esconde atrás dos morros. Ainda ontem emprestou às bordas das nuvens um alaranjado cintilante e ao céu, o rosa, o lilás e o azul.

Nas tardes de outono o vento faz tremular a superficie da água do mar de mangue, onde aportam os barcos dos pescadores da região.

O mar do lugar onde moro não explode em ondas volumosas e barulhentas. Apenas obedece ao tempo de cada maré e avança sobre a vegetação que o contorna para depois recuar, deixando à mostra os buracos dos caranguejos.

Mas, apesar do deleite, confesso: não sou daqui.

De onde sou?

Creio que nos últimos anos uma centena de pessoas, ou mais, quis saber de onde sou. Passado o momento do desacerto, recorro à história oficial e respondo que sou do norte do Paraná.  As vezes faço referencia a cidadezinha agricola, que hoje tem ruas asfaltadas, mas que no tempo de minha infância eram de pó ou barro vermelho e grudento. Descartada a resposta oficial, diria: sou de lugar algum. Experimentei cidades e vilas, experimentei jeitos de viver, aprendi coisas aqui e acolá, mas em apenas dois lugares não me senti exilada: na Ilha do Mel e na região do Andes, entre La Paz e Machu Pichu. De resto, sempre fui estrangeira em meu país.

Dia desses passei um final de semana numa “vila rural”. A terra, as plantações, os agricultores nas suas lavouras quando o sol ainda tentava furar a névoa, as familias extensas no entorno da longa mesa de uma ampla cozinha, a simplicidade, os valores claros e os vínculos firmes içaram o que sou.

Continuo sendo de lugar algum, mas sei que em meio ao alvoroço do mundo, há aqueles a quem me assemelho.

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