Lá vem Maria

O BOM VIZINHO

ago 31, 2011 por

foto:silzi mossato

Vivo quase à beira da baía de mar e mangue.
A baía vive envolvida em montanhas.
As montanhas vivem cobertas pela mata atlântica.

Ao lado de minha casa tem um beco.
No fim do beco tem uma casa.
Na casa vive um pescador e sua família.
No quintal da casa tem um barco em construção.

Na primavera e no verão escuto o pescador e seus filhos, que na aurora, saem pro mar.
Nas manhãs de sol de qualquer estação ouço os ruídos da serra ou as batidas do martelo e sei que a estrutura do barco ganha novas peças.

foto: silzi mossato

Nos fins de tarde, ao por do sol de muitas cores da Ponta da Pita vejo o pescador à beira d’água. Ao pé do velho barco, repara sua rede enquanto entre moleques, na areia da prainha, o filho brinca com a bola.

Poesia?
Não. Vida. Singela vida sem excessos ao ritmo das marés, das estações do ano, das fases da lua.

O assoreamento torna a baía mais rasa.
A falta de saneamento torna a baía mais poluída.
As catástrofes ameaçam os morros que envolvem a baía.
Os inúmeros pedidos de autorização para a lavra dos minérios que estão sob a riquíssima mata atlântica… não sei o tamanho do estrago que hão de provocar.

Desenvolvimento?
Não. Predação violenta. Atentado a todas as formas de vida.

foto:silzi mossato

Mas no lugar onde moro, árvores crescem nas fendas das pedras, bromélias lançam milhares de sementes no ar e o verde brota nas fendas do concreto.

E n’algum tempo, seres sábios erguerão pequenas casas, construirão barcos sem pompa, tecerão redes, terão filhos que os acompanharão ao mar.

Vida, sucedendo predadores.

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DE ONDE SOU?

maio 3, 2011 por

Do lugar onde moro posso ver o Pico Paraná atracado à cadeia de montanhas que cerca a baía. Também posso acompanhar o sol pintando o céu em cores não encontradas nos mostruários de tinta, enquanto se esconde atrás dos morros. Ainda ontem emprestou às bordas das nuvens um alaranjado cintilante e ao céu, o rosa, o lilás e o azul.

Nas tardes de outono o vento faz tremular a superficie da água do mar de mangue, onde aportam os barcos dos pescadores da região.

O mar do lugar onde moro não explode em ondas volumosas e barulhentas. Apenas obedece ao tempo de cada maré e avança sobre a vegetação que o contorna para depois recuar, deixando à mostra os buracos dos caranguejos.

Mas, apesar do deleite, confesso: não sou daqui.

De onde sou?

Creio que nos últimos anos uma centena de pessoas, ou mais, quis saber de onde sou. Passado o momento do desacerto, recorro à história oficial e respondo que sou do norte do Paraná.  As vezes faço referencia a cidadezinha agricola, que hoje tem ruas asfaltadas, mas que no tempo de minha infância eram de pó ou barro vermelho e grudento. Descartada a resposta oficial, diria: sou de lugar algum. Experimentei cidades e vilas, experimentei jeitos de viver, aprendi coisas aqui e acolá, mas em apenas dois lugares não me senti exilada: na Ilha do Mel e na região do Andes, entre La Paz e Machu Pichu. De resto, sempre fui estrangeira em meu país.

Dia desses passei um final de semana numa “vila rural”. A terra, as plantações, os agricultores nas suas lavouras quando o sol ainda tentava furar a névoa, as familias extensas no entorno da longa mesa de uma ampla cozinha, a simplicidade, os valores claros e os vínculos firmes içaram o que sou.

Continuo sendo de lugar algum, mas sei que em meio ao alvoroço do mundo, há aqueles a quem me assemelho.

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