Lá vem Maria

A LITERATURA DE JOAQUIM SIMÕES

set 25, 2015 por

livros de Joaquim simões

livros de Joaquim simões

 

Faz pouco, concluí a leitura dos livros de Joaquim Simões. Sempres (poesia) li em 2014,  antes do lançamento oficial. O Fusquinha de Rosinha Albuquerque (crônicas) e Mamãe e o complexo do ovo (contos) foram as companhias na viagem da última semana, pela mineirice do avô materno que pouco conheci, mas que atravessou geração para impregnar meu jeito de ler o mundo. Desta viagem replico, sem pedir permissão ao autor, um pedacinho de “Véspera”, um dos contos que me cativaram.
“Como não me lembrar daquele festeiro moço sempre brincando, fazendo comentários tão óbvios, e ao mesmo tempo tão estonteantes, a respeito disto ou daquilo? Eu embasbacado? Só me restava chacoalhar a cabeça e concordar: é mesmo, né pai? ele ria de minha cordata idiotice, seus olhos claros me atravessando, como um alvo rio sereno atravessa, pelo meio, o verde e um arrozal.”

Boa surpresa para literatura Curitiba.

 

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ver-viver-vida

dez 19, 2013 por

 

bonecos do Mandicuera, foto Silzi Mossato

bonecos do Mandicuera, foto Silzi Mossato

Gosto de ver a vida movendo fios e fios tecendo vidas e pessoas desatando nós de fios que tecem para si e desmanchando emaranhados e ordenando obras de arte.

 Em tempos, enredos assemelhados a Morte e Vida Severina de seca de água e afeto e nova vida desabrochando e crença perdida enverdejando.

 Em tempos, o mergulho no mar de emaranhados e o debater-se perdendo a si e iniciando escalada em íngreme montanha e ao topo ganhar o mundo com os olhos que abarcam a paisagem colorida e de bela contradição.

                                               Gosto de ver a vida e viver vendo a vida tecer a vida.

 

 

 

 

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FRACTAL

abr 18, 2012 por

Na imensidão da areia clara e fina ia titubeando. Sentia que os pés enterravam na areia, mas mantinha os olhos no céu. Logo a areia solta desapareceria e os pés poderiam deslizar na massa molhada e pesada. E a água salgada chegaria em ondas e cobriria os rastros e arrastaria grãos e jogaria estrelas para fora e puxaria moluscos para dentro de si. Os olhos de agora seguiam o pássaro enquanto a memória puxava pela imagem capturada pelos olhos de outra era.

Não era o mesmo pássaro. Com certeza, não era. Pássaros não atravessam séculos. Almas sim. Almas atravessam. Mas atravessariam como indissolúveis holos? Ou talvez, imitando o Big Bang, explodissem, espalhando partículas coloridas e disformes, que ao acaso, se reuniriam em outros holos, repletos de lembranças desencontradas? Seria assim com os pássaros? E aquele à frente, que insistia em ir e vir, como se a tentasse conduzir a um local designado, seria remanescência de outros tempos? Traria nalgumas partículas, memórias inconclusas e disformes, como lhe ocorria?

A areia molhada não deixava que os pés deslizassem. A água formava fina lâmina e espelhava o sol, mas não retirava a aspereza que a natureza lhe impunha. Quantas vezes teria afundado os pés naquele pedaço de praia? Dezenas. Talvez centenas. Mas os pés não haviam registrado a aspereza. Os olhos sim, gravavam as idas e vindas de um pássaro. Seria o mesmo, ou haveria acordo entre os semelhantes e todos exercitavam-se na mesma rota? Qual o número de partículas mnemônicas seriam necessárias para construir um pássaro?

A faixa molhada sumia e reaparecia, fazendo a vontade do mar. E o pássaro atingia o cume do morro e voltava e a contornava e tocava o cume e de novo manobrava para retornar. Os olhos atuais cansaram de seguir o bailado das asas. Os pés cansaram da areia banhada pela água salgada. O corpo, fatigado, ganhou o chão fresco, deleitando-se com a brisa.

O corpo do pássaro não cansava.  Ia e vinha e rodeava e fazia manobras e recrutava novo pássaro na memória de outra era. O pássaro de seu afeto, que pousava em seu braço, apanhava alimento de suas mãos, soltava sons esganiçados e ganhava o céu, sem nunca perde-se na imensidão azul ou branca.

À memória do som estrídulo, respondeu  fixando os olhos na pedra aguda que ponteava o morro, onde o pássaro de agora abria e fechava as asas. A ave repetiu o movimento incontáveis vezes e subiu ao céu, deixando no lugar a figura apenas delineada e transparente de um velho. Os olhos de agora nada viam, mas os da memória cobriram o delineamento de traços, dando forma a poderosa figura.

Perdeu-se do mundo ao redor. Migrou para a pedra de outra era e através dos olhos da imagem recriada, viu o mar arrastando o corpo para dentro de si. Do alto de seu penhasco, a poderosa imagem, a via morrer, inerte.

Novo canto estridente e os olhos pousaram no fractal que o sol dispunha no pico do morro. Almas em fragmentos e que ainda assim,  atravessam o tempo e o espaço como indissolúveis holons.

 

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ENTRE DEUS E DEUS

mar 16, 2012 por

Malena cresceu. Mas antes que chegasse ao tamanho da mulher de agora, deixou o pequeno sítio e rumou com a família para a pequena cidade. E de lá, antes que o corpo ganhasse as formas do corpo da mulher de agora, rumou com a família para a cidade de médio porte. Não seguiu com os seus para lugar algum. Com o corpo do tamanho e formatos de agora, rumou sozinha para uma cidade estonteante, complexa e contraditória. Deixou para trás o mundo de Malena e foi erguendo, dia à dia, derrota à derrota, vitória à vitória o mundo de Maria Helena.

Da janela do décimo quinto andar a mulher Maria Helena acompanha o sol poente. Antes atirou a bolsa na poltrona, jogou os sapatos num canto da sala, espichou o corpo numa grande almofada e exercitou a capacidade de silenciar pensamentos. Adormeceu, acordou com sede, apanhou água e parou frente a janela para o mundo insensato da metrópole. Ainda mantinha o silêncio premeditado, mas uma nuvens intrometida abordou o sol e se instalou como se fosse um colorido chapelão mexicano.

No redondo do sol a mulher pintou o rosto da mãe, Benedita Maria, sombreado pelo chapelão de uso diário.

Benedita era dona da terra que a família cultivava. Era dona do gado que ordenhava ainda com o sol nascente; dos porcos que alimentava logo depois da ordenha; das galinhas que dava de comer logo depois de alimentar os porcos e da horta que costumava limpar e regar antes do anoitecer. Era mãe dos moleques a quem dava ordens enquanto dispunha alimentos e auxiliava na partida para escola matinal em descoloridas bicicletas. E enquanto os meninos estudavam Benedita corria com a arrumação da casa e com a comida que distribuía sobre a chapa do fogão à lenha. Os olhos avançavam do fogão ao quintal e do quintal à lavoura, mas os ouvidos não desgrudavam do rádio que lhe trazia o mundo.

Depois de alimentar filhos e marido e de dar brilho as panelas e bacias, Benedita enfiava uma calça velha sob o vestido, camisa de manga longa sobre o mesmo, um chapelão sobre a cabeça miúda, apanhava a enxada e seguia para as leiras do cafezal. Os homens começavam a capinha da cabeceira do sitio e Benedita, das proximidades da casa, de onde podia seguir os passos de Malena. Mas antes da capina vespertina, dia após dia, Benedita parava na casa ao lado e repetia o chamamento: embora Tiana.

Em dia de muito sol Tiana não ia a lugar algum e respondia sem sair da sombra: vô não mulher. Mas Benedita insistia: se não ajudar seu marido vai faltar comida pros seus meninos, mulher! E Tiana replicava: se faltar Deus provém.

Benedita sabia que não adiantava insistir, mas nunca deixava de contrapor: Deus já deu braços, pernas e saúde, o o resto é com a gente. E seguia com a labuta, ressentida pela dificuldade com as letras. Se soubesse ler, provaria para Tiana que Deus havia dado às pessoas tudo que precisavam para dar conta da vida. Bastava pedir a graça das boas escolhas. Era o que sempre dizia ao marido e aos filhos, quando reclamava do mato que tomava a roça dos meeiros.

O chapelão de nuvem cobriu o sol e apagou o rosto de Benedita. Maria Helena voltou ao almofadão, mas não exercitou o silêncio. Repassou a infância vivida entre plantas e bichos, o inicio da adolescência entre ruas poeirentas da cidadela que atendia aos agricultores, a juventude confusa, atropelada pelas novidades que o mundo injetava na cidade média. Repassou atropelos, desvios, tempos que não deixaram saudades e outros, impregnados de boas lembranças. Deu atenção às crenças que atravessaram a vida e  entendeu que se nunca tomou para si o Deus provedor propagado por Tiana. Nalgum ponto de sua trajetória desacreditou daquele Deus separado do mundo e ordenador das vidas dos seres pensantes, que a mãe cultivava sem grande alarde. Nalguns trechos andou desnorteada, sem referências ou crenças, colecionando dúvidas e inseguranças. Mas, nalguma parte do caminho começou a cultivar um Deus que chamou Consciência Cósmica e com ele, impregnou seu  mundo.

 

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O ESPEVITADO

dez 20, 2011 por

Espevitado cresceu entre ruas poeirentas de um lugarejo qualquer. Viu as eleições desaparecerem da ordem política, memorizou trechos a respeito de democracia, parte da educação moral e cívica que de repente apareceu na sua escola, partiu com a família rumo à cidade de ruas asfaltadas para adolescentar e adultecer. Lá perdeu o apelido, concluiu o curso universitário, foi iniciado em um partido clandestino, ficou decepcionado logo nas primeiras reuniões, desistiu de tramitar na política partidária, entrou para o mestrado, criou a própria metodologia para resgate de crianças em risco e obteve bolsa de pesquisa. Mas o mestrando que carregava na alma o moleque matreiro esbarrou em meia dúzia de senhoras que presidiam a instituição onde implantava suas idéias. Senhoras comprometidas com a causa, esposa de militares de muitas medalhas e que não concebiam em circunstâncias quaisquer a inversão da ordem tão regularmente acondicionada pela instituição de seus maridos e parentes. Esbarrou, foi laureado com o título de subversivo e impedido de dar continuidade ao sonho. E, antes que pudesse absorver o golpe, lá estava ele, evitando os olhos da orientadora.
Desfecho de repetição. Frustração reincidente.
Ainda na universidade o haviam acusado de russista. Certamente criaram o termo apenas para atribuí-lo ao rapaz. Mas ele não via propósito no título. Não acreditava nos devaneios pró Rússia nem na propaganda anti comunista. Depois o chamaram lulista. Mais um disparate. Seguia os movimentos sindicais paulistas, as assembléias e greves, torcia por resultados favoráveis aos operários e admirava sim, o homem que dava a cara à tapa. Mas isso não fazia dele um adepto fervoroso. Não via esperança para o capitalismo e não idealizava o socialismo. Reconhecida em cada uma dessas concepções apenas uma ordenação sócio-política imperfeita como qualquer criação humana.
Não bastasse, entre familiares devotos era conhecido como ateu. Suas argumentações não resultavam positivas e resolveu a questão se declarando agnóstico.
A verdade é que não seguia religião alguma, não fazia parte de seitas, facções, grupos de direita ou esquerda. Definia-se apenas como pensador. Pensava a vida, as mazelas do lugar onde vivia, os percalços daqueles que sustentavam a base daquilo que de um a outro pólo do mundo chamavam progresso. Pensava e se indignava, mas acreditava que poderia contribuir para diminuir a desumanidade do sistema.
Suas crenças e metas não o arrancaram da manhã torturante frente a orientadora equânime. Ela, no entanto, quis apenas um relato sucinto e objetivo da situação. Ele tentou desobstruir a garganta para que a emoção não se revelasse àquela mulher imparcial. Mas falhou e a indignação atropelou a objetividade. Ainda assim, manteve brevidade pedida.
Esperava a intervenção de sempre, pontuando a relevância do distanciamento. Ela, por sua vez, lançou uma única e singular questão: você é subversivo?
Os familiares, os colegas de faculdade, pessoas de suas relações afetivas, amigos. Todos, a um só tempo, apontavam que sim, mas ele os desconsiderou e disse apenas: depende do ponto de vista.
De novo, foi surpreendido pela mulher, que deixando a mesa pesada para trás, andou pela sala antes de dar o veredito: sua metodologia é definitivamente subversiva e é por isso que aceitei ser sua orientadora.
O mestrando perdeu o prumo. Silenciou e esperou. Ela voltou à mesa, abriu um dicionário, apontou e, ao mesmo tempo leu em voz alta: subversão, ação ou efeito de subverter. É para subverter essa ordem cruel que estamos trabalhando. Ou não?
Ele fez um sinal com a cabeça enquanto ela continuava: a reação da diretoria do lugar mostra que sua metodologia faz o que promete, mas se não aprender a proteger seu trabalho ela não serve pra muita coisa.
A clareza, o discernimento, o entendimento aportaram no rapaz. Mas as palavras sumiram. E sem que retornassem, deixou que ela continuasse: você pode concluir com esse resultado ou inventar um jeito de reaver a aplicação. Volte quando souber o que fazer.
O mestrando deixou a sala, andou pelos corredores, desceu a escada externa, ganhou as ruas e entendeu que precisava de uma longa conversa com o espevitado que a alma acolhia.

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