Lá vem Maria

A LITERATURA DE JOAQUIM SIMÕES

set 25, 2015 por

livros de Joaquim simões

livros de Joaquim simões

 

Faz pouco, concluí a leitura dos livros de Joaquim Simões. Sempres (poesia) li em 2014,  antes do lançamento oficial. O Fusquinha de Rosinha Albuquerque (crônicas) e Mamãe e o complexo do ovo (contos) foram as companhias na viagem da última semana, pela mineirice do avô materno que pouco conheci, mas que atravessou geração para impregnar meu jeito de ler o mundo. Desta viagem replico, sem pedir permissão ao autor, um pedacinho de “Véspera”, um dos contos que me cativaram.
“Como não me lembrar daquele festeiro moço sempre brincando, fazendo comentários tão óbvios, e ao mesmo tempo tão estonteantes, a respeito disto ou daquilo? Eu embasbacado? Só me restava chacoalhar a cabeça e concordar: é mesmo, né pai? ele ria de minha cordata idiotice, seus olhos claros me atravessando, como um alvo rio sereno atravessa, pelo meio, o verde e um arrozal.”

Boa surpresa para literatura Curitiba.

 

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FRACTAL

abr 18, 2012 por

Na imensidão da areia clara e fina ia titubeando. Sentia que os pés enterravam na areia, mas mantinha os olhos no céu. Logo a areia solta desapareceria e os pés poderiam deslizar na massa molhada e pesada. E a água salgada chegaria em ondas e cobriria os rastros e arrastaria grãos e jogaria estrelas para fora e puxaria moluscos para dentro de si. Os olhos de agora seguiam o pássaro enquanto a memória puxava pela imagem capturada pelos olhos de outra era.

Não era o mesmo pássaro. Com certeza, não era. Pássaros não atravessam séculos. Almas sim. Almas atravessam. Mas atravessariam como indissolúveis holos? Ou talvez, imitando o Big Bang, explodissem, espalhando partículas coloridas e disformes, que ao acaso, se reuniriam em outros holos, repletos de lembranças desencontradas? Seria assim com os pássaros? E aquele à frente, que insistia em ir e vir, como se a tentasse conduzir a um local designado, seria remanescência de outros tempos? Traria nalgumas partículas, memórias inconclusas e disformes, como lhe ocorria?

A areia molhada não deixava que os pés deslizassem. A água formava fina lâmina e espelhava o sol, mas não retirava a aspereza que a natureza lhe impunha. Quantas vezes teria afundado os pés naquele pedaço de praia? Dezenas. Talvez centenas. Mas os pés não haviam registrado a aspereza. Os olhos sim, gravavam as idas e vindas de um pássaro. Seria o mesmo, ou haveria acordo entre os semelhantes e todos exercitavam-se na mesma rota? Qual o número de partículas mnemônicas seriam necessárias para construir um pássaro?

A faixa molhada sumia e reaparecia, fazendo a vontade do mar. E o pássaro atingia o cume do morro e voltava e a contornava e tocava o cume e de novo manobrava para retornar. Os olhos atuais cansaram de seguir o bailado das asas. Os pés cansaram da areia banhada pela água salgada. O corpo, fatigado, ganhou o chão fresco, deleitando-se com a brisa.

O corpo do pássaro não cansava.  Ia e vinha e rodeava e fazia manobras e recrutava novo pássaro na memória de outra era. O pássaro de seu afeto, que pousava em seu braço, apanhava alimento de suas mãos, soltava sons esganiçados e ganhava o céu, sem nunca perde-se na imensidão azul ou branca.

À memória do som estrídulo, respondeu  fixando os olhos na pedra aguda que ponteava o morro, onde o pássaro de agora abria e fechava as asas. A ave repetiu o movimento incontáveis vezes e subiu ao céu, deixando no lugar a figura apenas delineada e transparente de um velho. Os olhos de agora nada viam, mas os da memória cobriram o delineamento de traços, dando forma a poderosa figura.

Perdeu-se do mundo ao redor. Migrou para a pedra de outra era e através dos olhos da imagem recriada, viu o mar arrastando o corpo para dentro de si. Do alto de seu penhasco, a poderosa imagem, a via morrer, inerte.

Novo canto estridente e os olhos pousaram no fractal que o sol dispunha no pico do morro. Almas em fragmentos e que ainda assim,  atravessam o tempo e o espaço como indissolúveis holons.

 

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