Lá vem Maria

DÁDIVAS

set 12, 2011 por

 

Sentaram na pedra morna e de lá fitavam a baía, o verde das montanhas e o casario à beira mar. Antes atravessaram o sambaqui cortado pelo caminho irregular e, sem pressa, subiram o maciço. Ela deixou-se ladear pelos meninos, que cansados das brincadeiras de rua, logo estenderam o corpo. Falaram do calor contido na pedra e passaram a seguir as raras nuvens que passeavam no azul iluminado pelo sol que, à direita, avançava para trás dos morros.
Àquela hora o vento deveria encrespar as águas da baía, mas não. A maré cheia chegou lenta e sem as tremulações comuns da primavera. Ondas mínimas batiam nas pedras, fazendo rolar os seixos. Ela seguia o vai e vem de cabeça vazia e em paz.
Os meninos seguiam as nuvens, a marola rolava seixos, o sol pintava o céu com tons de pérola, os barcos iam e viam. Os meninos, as ondas, o sol, os barcos, a cabeça vazia de pensamentos… Deitou um tempo ao lado dos filhos e aproveitou o morno da pedra até que um barco maior a desacomodasse. Ergueu o corpo e o seguiu a sumir entre ilhotas verdes. Não retornou. Mergulhou noutro tempo, saltando  para dentro de uma antiga embarcação. Do meio da baía vislumbrava a terra na qual pisaria sem regozijo. Já não suportava a sujeira, o espaço restrito dividido com tralhas, o trabalho exaustivo e incessante, a roupa surrada e grudenta, mas não acalentava esperança. Era um corpo duro e pronto para o confronto Ainda assim atentava para o verde ininterrupto que ia da orla aos picos da muralha, espreitando fuga.

O menino tocou o braço da mulher e a trouxe de outro tempo para a tarde de primavera sem vento. Apreciaram o pôr do sol avermelhado e depois seguiram de braços dados pelo caminho que cruzava o sambaqui. Mais tarde pensaria na estranha viagem que atravessara o sossego de sua tarde. Mais tarde, porque naquele momento dava vazão à dádiva dos abraços e da esperança.

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DE ONDE SOU?

maio 3, 2011 por

Do lugar onde moro posso ver o Pico Paraná atracado à cadeia de montanhas que cerca a baía. Também posso acompanhar o sol pintando o céu em cores não encontradas nos mostruários de tinta, enquanto se esconde atrás dos morros. Ainda ontem emprestou às bordas das nuvens um alaranjado cintilante e ao céu, o rosa, o lilás e o azul.

Nas tardes de outono o vento faz tremular a superficie da água do mar de mangue, onde aportam os barcos dos pescadores da região.

O mar do lugar onde moro não explode em ondas volumosas e barulhentas. Apenas obedece ao tempo de cada maré e avança sobre a vegetação que o contorna para depois recuar, deixando à mostra os buracos dos caranguejos.

Mas, apesar do deleite, confesso: não sou daqui.

De onde sou?

Creio que nos últimos anos uma centena de pessoas, ou mais, quis saber de onde sou. Passado o momento do desacerto, recorro à história oficial e respondo que sou do norte do Paraná.  As vezes faço referencia a cidadezinha agricola, que hoje tem ruas asfaltadas, mas que no tempo de minha infância eram de pó ou barro vermelho e grudento. Descartada a resposta oficial, diria: sou de lugar algum. Experimentei cidades e vilas, experimentei jeitos de viver, aprendi coisas aqui e acolá, mas em apenas dois lugares não me senti exilada: na Ilha do Mel e na região do Andes, entre La Paz e Machu Pichu. De resto, sempre fui estrangeira em meu país.

Dia desses passei um final de semana numa “vila rural”. A terra, as plantações, os agricultores nas suas lavouras quando o sol ainda tentava furar a névoa, as familias extensas no entorno da longa mesa de uma ampla cozinha, a simplicidade, os valores claros e os vínculos firmes içaram o que sou.

Continuo sendo de lugar algum, mas sei que em meio ao alvoroço do mundo, há aqueles a quem me assemelho.

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