Lá vem Maria

Doce Margarida

fev 4, 2017 por

IMG_0806Doce Margarida,

Sigo por ruas silenciosas e vazias, mas não vou só. Insisto em carregar-te ao lado e a ti faço confidencias que a ninguém mais ousaria.

Sei que pensas que sou um  poço de contradições e não nego, tens razão.

Não a quero perto e não a abandono. Faço de ti a amiga invisível sem, contudo, dar-te o desfrute de minha companhia ou a angústia de minhas incoerências. Temo que a possa perder e temo que estejas a esperar por mim.

No escuro do quarto lembro de ti, Margarida, a olhar-me com olhos de mel e a esperar que depois do sexo a envolvesse com carinho. Eu, a abjurar da entrega, fugia para os cantos escuros da alma.

Faz-me falta a tua doçura e o teu encanto. Mas bem sei, Margarida, que não vim ao mundo preparado para o amor. Cultuo o que me destes e sigo, desterrado de mim.

Tens o direito de deixar-me à deriva e então já não existirão laços com o planeta. Minha estrada não é de terra e,  à semelhança de um astronauta desgarrado, vivo sem raízes. De minha nave imaginária espio esse insensato formigueiro humano, do qual nunca consegui ser parte. Quando lançado a ele,  desvio dos carros e multidões e nas ruas vazias, dou-me ao estranhamento.

A vida, amiga, não é senão experimentação. Mergulhos descabidos em versões moldadas pela loucura coletiva e confesso, vim ao mundo desprovido da capacidade de pertencer.

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Todos os filhos do mundo

dez 13, 2016 por

 

CIA, Narcotráfico, grande  imprensa, golpes e cinema e a destruição das nações, incluindo a nossa.O cinema pode ser mais fiel que os livros de história.

“Missing (br: Missing – Desaparecido, um grande mistério / pt: Desaparecido) é um filme estadunidense de 1982, do gênero drama, dirigido por Costa-Gavras. O roteiro é baseado no livro The Execution of Charles Horman: An American Sacrifice, lançado em 1978 por Thomas Hauser, que conta história verídica de Charles Horman que vivia no Chile na época do golpe de 1973 que depôs o presidente Salvador Allende.
Sobre  o filme ou o fato, encontramos : “(…) Por fim, Ed e Beth descobrem que Charles foi assassinado no Estádio Nacional e enterrado numa parede, uma maneira comum da repressão chilena esconder os corpos dos torturados. Revoltado, Ed tenta inutilmente processar Henry Kissinger, o então Secretário de Estado de seu país.”
(https://pt.wikipedia.org/wiki/Missing_%28filme%29)

Nos sites que tem o cinema como foco, há diferentes sinopses para o filme Desaparecido, um grande mistério, de Costa-Gravas. Algumas mais instigantes que a descrição da Wikipédia,  escolhida e transcrita acima. Golpe militar, tortura, morte, intervenção dos Estados Unidos nos nossos países são temas saturados, que gostaríamos que sumissem de nossas vidas. Então por que assistir filmes que tratam dos temas?

Fosse objetivo levar o leitor ao filme, melhor seria escrever que Desaparecido mostra a busca incansável e corajosa de Beth, companheira do desaparecido, e de Ed, empresário americano e pai do mesmo. Apelo semelhante seria usado, caso os meios de comunicação tivessem algum interesse na promoção do filme. Mas esse não é um dos sucessos hollywoodianos que vendem os heróis americanos.  Desaparecido encabeça uma pequena lista das piores histórias de nossas vidas que viraram filmes. A lista poderia ser maior, mas para a reflexão pretendida, bastam 3 ou 4 produções.
Depois de Desaparecido outros filmes, com base em fatos reais, denunciam as ações nefastas desencadeadas por aquele país em territórios que não lhes pertencem. Outros holocaustos que não recebem holofotes. Afinal há interesses e muito poder em jogo. E para o poder, a vida é mera retórica.
Estado de Sitio (État de siège), do mesmo diretor, é uma produção franco-teuto-italiano de 1972. Ainda não estávamos no auge das ditaduras que solaparam as Américas do Sul e Central, mas os fatos referendam a narrativa, que delata tanto a participação norte americana na queda dos governos eleitos, como seus métodos. O mundo, incluindo a ONU e todos os outros órgão de defesa dos direitos humanos não prestaram atenção no que Costa-Gravas alardeava. E parece que continuam não prestando atenção, mesmo quando as denuncias são feitas pelos próprios americanos.
O filme Jogo de Poder,  baseado nas memórias da ex agente da CIA, Valerie Plame, mostra as consequências sofridas por ela e por seu marido, o diplomata Joseph Wilson, depois que ele  revelou que o governo norte americano, presidido por Jorge W. Bush, manipulou informações sobre armas nucleares iraquianas para invadir o país, com ajuda da Inglaterra. A história revela, além dos métodos americanos,  intervenção na imprensa ou, talvez, a cooperação velada entre a CIA e a imprensa ou parte dela, que atuou para destruir moralmente o diplomata e a agente.
Mais recente, de 2014, o filme O Mensageiro (Kill the messenger) narra a história do jornalista americano Gary Weeb, que investigou e tornou pública, a associação da CIA com o narcotráfico. A denúncia está focada no período em que o órgão financiava e treinava os grupos que lutavam contra o governo Sandinista, na Nicarágua.  A parceria entre CIA e narcotráfico responde pela disseminação do craque, que antes invadiu os bairros pobres e negros de Los Angeles e que agora faz parte das cenas diárias das nossa ruas. O filme também transita pela associação do órgão com a grande imprensa, que age para destruir a reputação do denunciante.
Além de Gary Weeb, o historiador americano Alfred McCoy  pesquisou as razões que levaram perto de 1/3 dos soldados que americanos que retornaram da guerra do Vietnã, depender da heroína. O resultado da pesquisa (ou investigação), publicada com o título “The Politics of Heroin” mostra a estreita relação da CIA com o tráfico. Outro a denunciar a associação da CIA com o tráfico é Michael Levine, ex agente do DEA que atuou 25  anos no órgão. Levine aparece em entrevistas, vídeos para Youtube e, principalmente,  nos livros Deep Cover e The Big White Lie (em espanhol, La Guerra Falsa). Segundo Levine a parceria ocorre desde a guerra do Vietnan.   Produtores e traficantes de heroína eram aliados de guerra. A parceria com o narcotráfico também estava presente no golpe de 1980, na Bolívia, quando os produtores e traficantes de cocaína foram os donos absolutos do poder. O autor não só sustenta que a imprensa norte americana é parcial como deixa claro que a ação da mesma é fundamental para manter esse tipo de ação. Cabe a ela, além de destruir moralmente qualquer denunciante e apresentar versões parciais, também alimentar a ilusão do combate ao tráfico.
Temos portanto, uma aliança que começa com 3 pilares e que se transforma em uma rede de alianças, com os mais diversos interesses: armas, petróleo, minérios, água, mercado para produtos.
Qual a nossa posição em tudo isso?

Há muitas semelhanças entre os padrões da grande imprensa dos Estados Unidos e a da nossa. Há muitas semelhanças entre o que aconteceu na Bolívia em 1980 e 1981 e o que acontece aqui. Há risco de sermos a nova praça de guerra da CIA. Há riscos  que o país, que já é um dos maiores consumidores de cocaína do mundo e uma das principais rotas do tráfico da América Latina, se torne, definitivamente, uma mega corporação das drogas ilícitas.

Em O Mensageiro, cidadãos do sul de Los Angeles conseguem uma reunião com o diretor da CIA. No encontro falam da destruição da vida de seus filhos e questionam as ações do órgão. Em Desaparecido, o empresário americano e pai da vitima, afirma que processará os responsáveis por deixarem que seu filho, um cidadão americano, fosse torturado e morto. Ele realmente tentou processar o então secretário de estado dos EUA, Henry Kissinger, mas foi derrotado.

Nos dois casos discute-se a segurança dos filhos dos americanos. Mas as ações da poderosa CIA, que circula pelo mundo disfarçada de benfeitora, mata os filhos dos cidadãos de todo o mundo. Não importa quem é, de onde é, filho de quem é. Nada importa, senão o poder.

Golpe, violência, tráfico, perda de direitos, intervenção dos Estados Unidos  são temas saturados, que gostaríamos que desaparecessem de nossas vidas. Mas para que consigamos, o mundo precisa dar um basta as ações CIA, aos meios de comunicação e, consequentemente, diminuir a força do tráfico. Qual banqueiro apoiaria ações como essa e rejeitaria os lucros do valores estratosféricos que os ilícitos proporcionam?

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A Arte Original dos Povos Originários

nov 11, 2016 por

 

 

 

img_0346Contamos mais de quinhentos anos desde a primeira invasão. Com a colonização, a arte  europeia  foi espalhada pelo território que antes era compartilhado pelos povos originários, plantas e bichos. Desde a chegada dos portugueses, navios foram aperfeiçoados. Ficaram maiores e mais velozes. Motores foram criados e, tenho impressão, que a roda foi reinventada. Trens e trilhos, carros e estradas, rádios, aviões, neons e televisão. O mundo ganhou aparelhos e mais aparelhos que replicam infinitamente a palavra escrita ou falada enquanto a prosa das comadres sume do mapa junto com o descanso do fim de tarde. Manufatura, a construção lenta e cuidadosa de cada objeto, virou exceção. Mas, superando todas as formas de opressão, muitos grupos de diferentes etnias, resistem. Uns mantém seus saberes pré cabralinos. Outros resgatam parte do que perderam. E todos nos ensinam que há outras maneiras de viver, que retratam em sua arte. A arte da humanidade que cultivam através dos tempos.

Parece distante ou fora de alcance, mas há, em Curitiba um espaço gostoso e bem cuidado, que mantém, para exposição e venda, a Arte Original dos Povos Originários.

Xondaro fica na rua Tibagi, 333, lj 1, no centro de Curitiba e alguns produtos estão na página da loja: facebook.com/xondarocwb.

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Encantamento em Voos Literários

nov 11, 2016 por

Voos Literários

Voos Literários

Descobri que exerço todos os direitos do leitor. Não sabia, mas faço isso há cinquenta anos. Desde o tempo em que descobri que as palavras escritas nos levam a todos os cantos do mundo. Elas nos apresentam as mais diversas culturas e as infinitas diferenças que compõem a beleza do mundo. Acabo de conhecer esses direitos, exercidos desde o tempo em que, deitada sobre o assoalho cuidadosamente encerrado e lustrado de meu quarto, mergulhava nas histórias de Monteiro Lobato ou nas páginas traduzidas de Mil e Uma Noites.

Confesso que também viajava na história ilustrada do Brasil e que ainda tenho na memória a imagem idealizada de Pedro Alvares Cabral e seu chapelão ornado com uma imensa pena. E mais. Virava e revirava o Atlas, tentando achar o lugar das histórias que lia ou  imaginando futuras viagens.

Mas o assunto são os direitos que acabo de descobrir. Foram apresentados, em cuidadosa leitura encenada, pelo ator Carlos Moreira, no espetáculo Voos Literários, do grupo Parabolé. Além de Carlos, Larissa Lima e Vanessa Vieira integram o trio de atores que encantam.

Assistindo Voos Literários puxei o fio da infância, fiz uma pausa para resgatar a beleza da vida e recompor a energia.

O espetáculo trata do prazer de ler e o faz de forma a provocar um “que pena que acabou”. Levi Brandão assina a direção artística e os atores, a cada movimento, espelha a criança de cada um. Rennan Negrão fez de cenário e figurinos uma obra de arte indivisível e perfeita para este espetáculo.

Ao Parabolé: obrigada! Continuarei exercendo todos meus direitos de leitora!

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Não espere por mim, Margarida

nov 10, 2016 por

foto de Erly Ricci

foto de Erly Ricci

Não espere por mim, Margarida.
Abdicar é a conta da revolução e escolhas são feitas de planos e despedidas.
Mudo de rota, de roteiro, de sonhos e aspirações. Na bagagem, risos e choros, noites nuas e outras, cheias de ternura.
Carrego no mesmo laço os espinhos da estrada e as flores coloridas, as picadas das abelhas e o sabor do mel que sacia.
Estou de partida e não tenho o desenho da estrada. Acaso ficasse, morreria. E, creio, de nada vale ter ao lado, um morto vivo. A vida, Margarida, não perdoa quem deixa o medo refrear o caminho.
Não espere por mim, doce amiga.

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