Lá vem Maria

TRÊS MARIAS

ago 1, 2011 por

A primeira, tendo esgotado o tempo de cuidar, deixou que os filhos caminhassem a seu modo e partiu do norte ao centro. Antes viveu como cavalo selvagem que enfrenta o domador, derruba o dono da espora, arrebenta a cerca e foge. Segue solitário, não sei se em busca do lugar conhecido ou do encontro. Mas não foi como cavalo selvagem que cuidou dos filhos. Foi como leoa, que a qualquer sinal de perigo, rosna para afugentar o predador enquanto prepara a defesa.
Não quis que os filhos seguissem caminho semelhante ao seu. Soube reconhecer que os campos sem donos e cercas desapareceram e com eles, a relva e a vida em bando.
Entre leoa e cavalo selvagem não descobriu muito além dos conflitos, entremeados de parcos momentos de paz. Mas manteve o empenho para que as crias descobrissem a dádiva da vida compartilhada, da troca, do cuidar e ser cuidado, que perseguiu e nunca experimentou. Quando, enfim, conheceu um pouco de harmonia, sublinhou na lista das suas tristezas apenas dois itens: decepcionar uma pessoa amada, em especial um filho e não ter se reconciliado com quem já havia partido. Antes de seguir em frente, cuidou de perdoar-se.

A segunda, reconhecendo a imperfeição do mundo, partiu do sul ao centro. Fez ruptura abrupta. Mal conseguia ficar em pé, quando sentenciou o fim da era dos abusos. A beira da exaustão, sem distinguir entre efeitos do excesso de trabalho e do acumulo de frustração, deitou e se aninhou sob cobertores. Ali ficou porque era tempo de luto e cultivava o respeito pela hora de depurar. Quando o corpo reagiu, tomou papel e lápis e escreveu o mundo de sua predileção.
Para cada esforço, uma recompensa. Para cada gentileza, um agradecimento. Para a entrega, aconchego; para as dúvidas, respostas; para tropeços, mãos amigas.
Antes do próximo passo, desatou o excesso de exigência consigo mesma.

 

A terceira,  despejada dos sonhos compartilhados, arranjou um canto próprio, no centro, onde sempre esteve. Havia muito que desejava passear, andar por lugares iluminados, ir ao cinema, talvez ao teatro, comprar roupas novas que atendessem ao seu gosto. Mas realizar planos implicava em adiar uma centena de pequenos prazeres e ela adiava. Nunca encerrava os dias sem pendências, mas, secretamente, reservava os finais de semana às carícias e ao aconchego. Seguiria abdicando e lutando com os afazeres. Seguiria, não fosse a solidão das noites de sexta. Numa delas, enxergou à frente um homem dúbio. Não viu a lealdade desejada e sem ela não viu o companheiro de jornada.
Entristeceu, mas não abdicou dos planos. Cuidadosamente refez os cálculos. Daria aos sonhos o tamanho de sua própria competência. Partiu sem escrever palavra.

Numa noite de verão o destino reuniu as três Marias, quando, enfim, se assumiam Madalenas.

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OPS! DEFLOCULEI OS NÓS.

jul 23, 2011 por

Acordei estranha. Bem estranha.
Ao sair da cama portava uma leveza de quem perdeu alguns quilos enquanto dormia. Olhei a imagem do espelho e os quilos estavam no mesmo lugar, mas a leveza persistiu. E além dela, outros sintomas fenômenos: maleabilidade, mobilidade, alegria, disposição.
Não dava pra deixar rolar e então, enquanto organizava o material necessário ao dia de trabalho fui puxando os fios de alguns nós. Lembrei as rasteiras que levei e elas já não eram rasteiras, mas fatos consumados e agora descartados, que naqueles momentos serviram para alguma coisa que não lembro. Pensei nas pessoas que me magoaram, mas a mágoa já não estava lá. E as lembranças apareceram em companhia de um discernimento constrangedor. Uma espécie de entendimento multifacetário que meu repertório não permite explicar. E as dores? Essas, creio, entraram em férias ou partiram sem qualquer aviso. A decepção, onde foi parar? Os feixes de frustração?
ilustração: Erly RicciSem mais nem menos, acordei com a  respiração fácil,  bem estar corporal e fluidez das boas emoções: coisas esquisitas acontecendo num dia comum de trabalho. O jeito foi acomodar-me ao imprevisto e começar a produção dos objetos de cerâmica. Primeiro, a água no batedor de barbotina. Depois, com a máquina em atividade, a argila seca adicionada aos poucos, junto com um tanto de caulim e outro de filito. Ao creme tão espesso quanto vitamina de abacate adicionei, para finalizar, gotas de defloculador. Num instante, o creme virou líquido fino, que rodava ao impulso da hélice, exibindo mechas acetinadas.

OPS! Entendi a estranheza toda!

Cinco meses de Florais de Bach e defloculei os nós.

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MEU PAI, O PAI DE MEUS FILHOS, MEUS FILHOS

jul 21, 2011 por

“Os homens são difícies…permita-me dizer de que maneiras.”
A declaração não foi feita por uma mulher, mas por um homem, psicólogo, autor do livro “SE OS HOMENS FALASSEM… “. Ainda não li a obra de Alon Gratch, mas o titulo do primeiro capítulo, a frase inicial do texto, fez com que a vasculhasse ligeiramente. Conclui que o livro merece atenção. Mas antes é relevante declarar: não sei como serão os filhos de meus filhos, mas reconheço nas três gerações pelas quais transito,  a silenciosa transformação da condição masculina.

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O CAMINHO DO OUTRO

jul 15, 2011 por

 

Certo, errado, bom, ruim, bonito, feio, confiável, desonesto: ínfima lista de infinitos julgamentos.

Alegria e tristeza, vitória e fracasso, reconhecimento  e anonimato,  frustração e realização: poucos exemplos de inúmeras polarizações .

Ética, justiça, disciplina, integridade, confiabilidade, desapego, força, determinação:  alguns valores que sustentam julgamentos e posições.

É possível explicar condutas  a partir dos valores. Mas não sei se a teorização nos possibilita compreender o outro.

foto:silzi mossato

 

Há quem faça das habilidades, dádivas. Outros, sementes em solo árido.

Uns brilham sem grandes esforços.Outros colhem parcos frutos depois de muita labuta.

 

Cada individuo vive sua história como mergulhador em mar denso. Mas basta olhar a distância para  enxergar saídas, caminhos e possibilidades que o dono de outra história não vê. E sem discernimento,  o julgamos. Ou tentamos incansavelmente apontar uma direção, mostrar rotas,  puxar pela mão, empurrar para situações que avaliamos como a melhor.

A vida, enfim nos diz: O CAMINHO DO OUTRO É DO OUTRO. Podemos estender a mão, apoiar, ajudar, mas cabe a cada pessoa  a escolha e suas consequências.

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MEU PÉ DE MAMÃO RENASCIDO

jul 7, 2011 por

Não tenho um jardim como gostaria. Apenas três canteiros espremidos contra o muro e, do outro lado, uns quatro metros quadrados de terra, com palmeiras ao centro, orquídeas e bromélias incrustadas e ao redor.

No primeiro canteiro, espadas de São Jorge, samambaias e um pé de limão que apesar de lançar raízes rentes ao muro, insiste na produção farta. Nos outros decidi plantar coisas comestíveis, como taiá e hortelã. Mas sempre quis conviver com uma árvore de muitas flores e de posse de um galho de buganvil, enterrei como mandam as senhorinhas de lugar. Comemorei as primeiras folhas, mas mal deram sinal de vida e morreram. Ao mesmo tempo havia jogado ao acaso algumas sementes de mamão. Elas brotaram formando amontoado de pés de mamão em meio as ervas daninhas que cresceram em tempo de muita chuva. Era preciso retirar as ervas, mas com elas acabei arrancando um pezinho de mamão. Menor que os demais, havia ficado escondido entre as folhas das plantas intrusas.

Puxa, que pena! Se tivesse prestado um pouquinho mais  de atenção!

meu pé de mamão renascido

Apressei o replantio. Cavei ao lado, cuidei pra que a cova envolvesse, sem entortar, a raiz pontiaguda e fina. Depois de assentar a terra joguei  um pouco de água e o amparei comuma estaca. Mas, horas depois as folhas arriaram e o caule debruçou sobre a madeira. Causa perdida. Mas já que estava perdida, podia experimentar sem culpa. Tomei um pouco de água mineral  e adicionei umas gotinhas da minha fórmula floral. Uma espécie de travessura de criança, mas que não conseguia deixar de fazer. Fiz e aguardei. Um dia, dois dias, três dias. O mamoeiro continuava arqueado e eu frustrada.  Deixei de acompanhar  até que de repente, passando os olhos pelo local descobri uma folhinha. Voltei a seguir a plantinha. Vi surgiu mais uma folha e depois outra e outra.

Conclui: se serviu pro mamoeiro, serve pro buganvil. Corri, arranquei o galho aparentemente seco, replantei  e reguei com gotas do floral. Enquanto aguardava, passei a mostrar aos visitantes meu pé de mamão renascido.

Lendo novos textos a respeito dos Florais de Bach descobri que não há nada de novo na minha experiência, mas continuo mostrando àqueles que me visitam  o meu pé de mamão renascido, agora acompanhado do buganvil, já com o segundo galhinho repleto de folhas.

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