OPS! defloculei os nós
Acordei estranha. Bem estranha.
Pulei da cama com leveza de quem perdeu quilos e quilos, e eu, que nem queria perder nada, corri pra frente do espelho. Olhei a estampa refletida e os quilos estavam no mesmo lugar. Os quilos e a leveza, também. Além dela, outros sintomas: maleabilidade, mobilidade, alegria, disposição e uma vontade doida de fazer uma coisa ainda mais doida: criar, criar, criar!
Não dava pra deixar rolar a coisa estranha que ia tomando corpo sem controle. Parei. Daria um basta e, sem demora, fui puxando os fios dos nós.
Ops! Ops! Cadê as rasteiras que levei? Não eram mais rasteiras e lá estavam só os fatos consumados. Naqueles momentos, nos lá de trás, serviram para alguma que não lembrava. Ah, mas tinham as pessoas, aquelas que me magoaram e com certeza elas dariam um jeito.
Ops! Ops! As mágoas já não estava lá. Um discernimento constrangedor aparecia de mãos dadas com as lembranças. Que era aquilo? O que aquela espécie de entendimento multifacetado que meu repertório não permitia, mas que insistia em ficar por ali? Ah, mas tinham as dores! as velhas e tão bem cuidadas dores!
Essas, eu creio, entraram em férias ou partiram sem qualquer aviso. A decepção, onde foi parar? Os feixes de frustração? As reclamações diárias? Os empecilhos, onde estavam?
A respiração fácil, o bem estar corporal, a fluidez das boas emoções: coisas esquisitas aconteciam num dia esquisito de esquisita celebração. O jeito foi acomodar-me ao imprevisto e esperar por um estorvo qualquer que confirmasse que aquele dia era meu. Atravanco, dificuldade, impedimento, impasse, obstáculo sempre acontecem no decorrer do trabalho e comecei. Primeiro, a água no batedor de barbotina. Nenhum problema. Depois, com a máquina em atividade, a argila seca adicionada aos poucos. Nem um espirro. Pra que tudo tivesse efeito previsto, um tanto de caulim e outro de filito. Nada escorregou para fora do batedor de barbotina. Em tempo contado, como deve ser contado o tempo dos dias desventurados, o creme espesso, tão espesso quanto vitamina de abacate, estava pronto. Pra finalizar, as gotas de defloculador de sempre.
Ops! Ops! Num instante, o creme virou líquido. Num instante o creme espesso, tão espesso quanto vitamina de banana, rodava ao impulso da hélice. Rodava fino, leve, cheio de mechas acetinadas, como deveria ser uma boa barbotina!
Ops! Ops! Alguma coisa aconteceu! Acho que defloculei os nós e desconfio que a desventurança não será recuperada!
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