O PRAZER DAS PALMAS RITMADAS
Na década de sessenta, talvez no mesmo ano em que o prefeito de minha cidadezinha de interior teve que fugir para não ser preso, eu desfilava de branco. À frente, a fanfarra. Na sequência nós, alunos e alunas do Grupo Escolar Olavo Bilac e do Ginásio Professor Giampero Monacci.
As ginasianas usavam saias azul marinho e camisas brancas, mas nós íamos de guarda-pós brancos sobrepostos aos vestidos e acompanhados pelas meias três quartos, também brancas, e sapatos pretos.
Na época não atinava com o motivo da fuga do prefeito. Homem simpático, inteligente, simples, pacífico e pai de minhas colegas de escola. Mas o acontecido era fato quase periférico. Algo posto no mundo global ou, talvez, na borda, no limite entre meu universo e o universo maior. O desfile de sete de setembro, ao contrário, tinha relevância maior. Para ele ganhei sapatos novos, meias novas, guarda-pó novo. Queria fazer tudo certo, desfilar direitinho, mas a verdade é que de tempo em tempo recebia de uma das professoras uma leve cutucada e o aviso: acerte o passo.
Mais de quarenta anos depois descubro que guardo do homem e de sua família, imagens semelhantes as das fotos antigas e amareladas, que com o tempo perderam a nitidez. Fotos que carreguei comigo enquanto descobria que a discordância é duramente penalizada desde o inicio do que designamos “civilização”. Descubro também um elo sutil, uma espécie de solidariedade camuflada dirigida ao homem e à sua família.
Mais de quarenta anos e descubro que vivi, secretamente, tentando “acertar o passo”.
Marchar ou bater palmas em harmonia com o grupo? Não, ainda não consigo. Não dou conta de dar constância aos intervalos, de manter a força nas batidas ou repetir uma sequência determinada. Mas descobri o prazer de bater minhas palmas ritmadas.
Parece supérfluo, esquisito, irrelevante?
Não para uma criança que em meio aos colegas, luta com o seu próprio corpo para acompanhar o exercício coletivo.