DESSEMELHANTES
“Meu lado direito diverge e o esquerdo colide com o primeiro.
Minha cabeça diverge e o coração choca-se com os pensamentos.
Meu coração diverge e a cabeça contesta a alma.
Um lado do cérebro diverge, o outro opõe-se o mundo.”
Ajeitou o corpo na rede, mas não parou com a lenga-lenga. Não haveria de parar. Dezenas e dezenas de anos escamoteando conflitos davam direito a repetição. Da admissão redentora não escapuliria, ainda que a paz do sono sumisse pelas frestas dos olhos.
“Meus olhos divergem e as imagens contradizem as crenças.”
No universo paralelo o dedo da mulher escorregou numa tecla e o computador disparou um som intermitente e chato. No mundo paralelo a tela, os chamarizes coloridos seduziam a navegante: os amigos do face, os intermináveis e repetitivos confrontos políticos, as campanhas sociais. Coisas de ontem com maquiagem nova. A mulher do mundo ao lado não se despiria nem se aninhasse ao lado. A mulher do outro planeta vivia a guerra e ambos adversavam.
Retomou à lenga-lenga, adormeceu vazio de amor, acordou agastado.
“Meu espírito viaja em confronto e o corpo choca-se com ele. “
Rolou o corpo, jogou as penas para o outro lado, deu com o céu de fim de tarde repleto de nuvens cinza.
No plano ao lado a mulher ainda clicava velozmente. No outro, o pássaro pousado na haste da bromélia, bebericava.
“O conflito vive em mulheres e homens. A sabedoria, nos pássaros e bromélias.”
Dobrou as pernas, se aninhou no côncavo da rede, desistiu dos enfrentamentos e adormeceu em paz.