Lá vem Maria

TRAVESSIA

jan 19, 2012 por

Hoje não escrevo ficção.
Hoje compartilho a serenidade do ato de caminhar sobre a ponte de boa estrutura. Descubro aos quase cinqüenta e cinco anos o prazer da travessia sem solavancos, antevendo com segurança o lugar de chegada.
Vivi no sul, no nordeste e no centro oeste. Repeti cidades sem cimentar alicerces, convivi com pessoas de diferentes convicções e índoles, experimentei a vida sem a comodidade do pertencimento.
Poderia dizer que andei por aí, sem rumo, mudando de atividade, desperdiçando talentos. Mas escolho afirmar que transitei por espaços, acumulando vivências enquanto buscava meu lugar e minha tarefa no mundo.
Na última semana, durante uma curta viagem fui contaminada pela opressão da vida de outros, ao transitar ente eles e vivi na pele e nas entranhas a sensação de estar em risco. Ao reencontrar os filhos, o companheiro de jornada e pessoas queridas que marcam meu caminho, entendi que conquistei o que há de melhor na vida. Posso viver a alegria de fazer parte, de ter uma família que me acolhe, de saber e de estar bem com caminho a ser trilhado. Marco a descoberta com um pensamento de Marie Fontaine:
“A vida é um presente maravilhoso. Para apreciá-la, desfrutá-la e aproveitá-la ao máximo é preciso dedicar tempo às coisas que realmente têm valor”

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A EMISSARIA

out 20, 2011 por

De tempos em tempos ela aprece. Chega de mansinho, em passos miúdos e leves. Pára bem rente ao portão e inicia a seqüência de palmas ritmadas e fracas.
Os cabelos cacheados assemelham aos fios de paina. A pele, essa parece um tênue tecido translúcido e frágil. A vestimenta simples e apropriada ao clima do dia revela o auto cuidado permanente.
Às vezes aceita entrar, outras, prefere manter conversação através da grade. Com a voz entrecortada e  acompanhada dos movimentos das mãos, que lembram imagens em câmara lenta, faz os cumprimentos de praxe. Um pequeno intervalo e encadeia perguntas específicas relativas ao meu estado físico e emocional, puxando itens de conversas antigas. Falamos de minhas plantas exuberantes e de minúsculas obras verdes em pequeninos vasos que ela cultiva. Às vezes menciona um ou outro detalhe de sua vida, ou fala das propriedades de uma alguma erva medicinal que reconhece ao redor. Mas sempre acaba perguntando de meu trabalho, abençoando minhas mãos criativas, me lembrando dos agradecimentos, dos gestos de recepção aos anjos, dos pedidos de proteção à força e consciência universal que nomeia apenas Pai.
De tempos em tempos ela aprece com passos lentos, movimentos de mãos que remetem aos praticantes de tai chi chuan, cabelos em fios de prata, olhos minúsculos e brilhantes, para lembrar que anjos existem e que é hora de aprender a louvar a vida.

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ANTES DO AMANHECER – II

out 17, 2011 por

A chuva cessou na madrugada.

Antes do amanhecer antevejo o sol atravessando frestas,

dourando a borda das nuvens,

iluminando o cume das montanhas ao redor.

 

 

 

A chuva cesso na madrugada.

 

 

Antes do amanhecer a brisa mansa trepidara as folhas da palmeira,

os pássaros virão trilhar na árvore ao lado da janela,

os pescadores retornarão à praia com as redes fartas.

 

 

A chuva cessou na madrugada.

 

 

 

Antes do amanhecer reconheço que não haverá excesso de umidade adoecendo as plantas, nem excesso de sol queimando suas folhas.

A chuva cessou na madrugada.

Antes do amanhecer saúdo o recolhimento e a expansão imprescindíveis à vida em plenitude.

 

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O INDECIFRÁVEL

ago 18, 2011 por

foto: silzi mossato

Do pico da montanha o indecifrável olhava o mundo. Tinha a incumbência de descobrir o sentido da designação dada a uma classe de habitantes: os seres racionais. E lá do topo viu alguns cultivando flores e perguntou: porque cultivá-las se bastava deixar que a natureza do lugar seguisse seu curso e florescesse a seu modo? Era estranho, mas apesar da contradição, criavam beleza e harmonia, propiciando, a si e seus semelhantes, bem estar e equilíbrio. Registrou sua primeira impressão: há na racionalidade farpas de ambiguidade.

O indecifrável também atentou para os que plantavam alimentos. Frutas, verduras, legumes, cereais. Antes, punham abaixo as matas que lhes proviam, mas, apesar do disparate, cuidavam de alimentar a si e aos outros.  Assim os racionais obtinham força para cumprir suas jornadas.

Teria registrado a impressão. Desistiu ao perceber que alguns inventavam venenos, jogados sobre os mesmos alimentos. Ficou confuso. E a confusão aumentou ao ver que um grupo apanhava para si o resultado do labor de tantos, exigindo, para disponibilizar aos outros, altas compensações. E, não raramente, estoques apodreciam enquanto semelhantes definhavam, com fome.

Antes que atinasse com o propósito de tais absurdos, vislumbrou guerras de inumeráveis escalas. E também reconstrutores, cuidadores, protetores, apaziguadores.
O indecifrável deixou o pico da montanha e na tentativa de concluir a tarefa, buscou refúgio nas nuvens. Depois de debruçar-se demoradamente sobre a questão, pontuou: racionalidade implica em destruir o perfeito e recriar à própria semelhança, com infindáveis imperfeições.

A incumbência parecia concluída, mas o indecifrável retomou os apontamentos para um registro ao pé da página.

O desafio maior dos indefiníveis seres racionais é manter a crença, enquanto buscam o reencontro com a perfeição destruída.

 

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ONDE ME ATENHO, MORRO

maio 9, 2011 por

Este texto traz as primeiras de uma série de colocações pautadas nos vinculos em suas múltiplas faces e versões.  Condensa muitos dos aspectos que serão posteriormente abordados e poderia servir como conclusão. Não sei se, no caso, a ordem altera ou não o resultado. Mas, se altera, espero que antes de ser compreendido, o tema seja apenas sentido.

ONDE ME ATENHO, MORRO

Não sei nomear o autor, mas sei que para além das regras, das normas e convenções há a lei, expressa na frase: onde me atenho, eu morro.

A doença vista por este ângulo assinala estagnação, bloqueio da aprendizagem necessária a transformação de obstáculos em crescimento ou interrupções na realização do potencial do individuo ou grupo.
Doença aqui, entendida sem as dicotomias ou fragmentações próprias do pensamento cartesiano; sem separação corpo – psique – alma, e sem desconexão da pessoa e seu universo familiar ou sociocultural. Mas reconhecida como sinalização do individuo, para si e para o grupo, que algo impede a vida de fluir.

 

Sim, porque vida é movimento em direção à evolução e à amplitude da consciência. Requer, ao longo do trajeto, conquista de uma gama maior de soluções às questões com as quais nos deparamos. Permite e exige, nas diferentes conjunturas, a ampliação de variáveis a serem construídas e consideradas. Conseqüentemente, nos leva à crescente flexibilidade e complexidade de nossos pontos de vista.
As afirmativas acima não remetem a corrida tecnológica ou à ruptura dos vínculos ou ao abandono dos grupos de pertencimento. Antes falam da situação paradoxal inerente ao ser humano: crescer e continuar sendo o que essencialmente é. Diferenciar-se, individualizar-se, mas manter suas raízes e consolidar o pertencimento. Referendar os valores que norteiam o posicionamento frente ao mundo, mas também reconstruí-los, redefini-los, para que em circunstâncias diversas, não se tornem disfuncionais.
Saúde é equilíbrio, ouvimos ou lemos freqüentemente. Mas o que significa equilíbrio? Quem pode nos dar medidas convenientes? Quem pode nos dizer onde ele começa ou acaba? Qual a receita?
Bem, aprendi acertando e errando que as medidas são de cada um e para cada situação e circunstância elas mudam. Equilíbrio para ser o que o nome diz, precisa ser construído e constantemente reconstruído, de acordo com diferentes pessoas em seus diversos contextos e diversos momentos.
Parece algo inatingível?
Difícil sim, inatingível não.
Difícil e variável. Somos pessoas. E pessoas são potentes e falíveis. Erram, acertam, reconstroem, ganham, perdem, resgatam. Muitas aprendem e crescem, muitas desistem e se alienam. Pessoas caminham em tempos e formas diferentes e por caminhos diversos.
Possível porque temos conosco o mapa. As informações que precisamos para escolhas pertinentes estão em nós.
Difícil exatamente porque não somos afeitos a apropriação de nossos sentimentos e a aceitação do que somos.
Possível porque nossas doenças ou nossas dores nos dão a oportunidade de vencer barreiras, corrigir rotas, aprender e mudar e, principalmente nos conectarmos com o universo que somos. Ou, de acordo com os ensinamentos de Edward Bach, positivar* o que nos adoece e aproximar personalidade e alma.

É verdade que vivemos em família, pertencemos a comunidades, somos pressionados ou induzidos a atender à lealdade grupal. Afinal a necessidade de pertencimento é inerente ao individuo. Resta então perguntarmos: se somos coniventes com a estagnação do grupo de pertencimento estamos sendo leais ou ajudando na produção da doença? E se buscarmos nossa própria transformação, realizando nosso potencial a lealdade fica comprometida, ou será que assim damos ao grupo a oportunidade de voltar ao movimento, ao crescimento, à aprendizagem?

Somos unidades complexas, impulsionados pela lei que rege a vida: evoluir, concretizando potenciais. Mas somos parte e respondemos as expectativas do todo ao qual pertencemos. E enquanto todo e parte, também participamos da estagnação ou da evolução e podemos interferir, reconotar e revitalizar valores, inserir novas possibilidades. E, enquanto positivamos o que nos adoece, enquanto aproximamos personalidade e alma, podemos dar ao grupo chance de se transformar sem, contudo, deixar de ser o que essencialmente é.

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