Num trecho de estrada, pássaros festejavam
O pé esquerdo ia torto. Fora a solução encontrada para minimizar a dor que tomava a sola do pé, atravessava os músculos do calcanhar e alcançavam o tornozelo. A bagagem, ainda que pequena, pesava no braço cansado. Revezava. Direito e esquerdo, esquerdo e direito e, às vezes, tentava deixar as alças numa das mãos. Mas as mãos reclamavam e o apetrecho voltava a perambular.
Caminhava rente a muros e cercas, aproveitando as sombras das árvores e arbustos que ousavam atravessá-los. A pele encharcada reclamava, a boca seca exigia mais água, e ela, em passos de tamanho e ritmo únicos seguia de cabeça vazia e alma em estranho silêncio.
Passos fortes e rápidos romperam a letargia. Viu a sombra masculina projetada e ouviu a voz rouca, contestando os especialistas em explosões solares, que as afirmavam inofensivas.
Não respondeu. Ninguém esperava resposta.
Imagens dos especialistas pulularam. Salas bem refrigeradas, computadores potentes e confortáveis carros, com ar condicionado e protetores para os vidros.
Não contestou. Contestar consumiria energia e precisava de cada fio que o corpo pudesse gerar.
Uma árvore sem cerca ou muro e a tagarelice dos pássaros frearam a marcha. Ergueu os olhos e encontrou um emaranhado de asas que abriam e fechavam, exibindo peitos coloridos. O riso esboçado e sincero, jogou no peito vazio, um veio de afeto. Rodeou o tronco vivo, tropeçou no pedaço de outro com sinais de serrote e escolheu ficar por ali, dando folga ao corpo. Fez da maleta, travesseiro e do tronco arriado, esteio par o corpo. Os olhos cederam ao peso do dia, mas os ouvidos seguiram a cantoria repetitiva, até que cenas da infância despontaram sem travas, trazendo saudade do tempo em que ,sob goiabeiras, ameixeiras e amoreiras, pedia respostas ao vento e as recebia sem custo.
Cochilou, mas não demorou muito para voltar ao presente e entender que os sonhos perdidos não seriam resgatados. Era imprescindível tecer outros, realizáveis.