MARIA, VESTIDA DE PLENITUDE
Entrou na avenida vestindo a fantasia que não sabia de onde vinha. Não titubeou. Progrediu rodopiando e sambando e cantando, como se da vida restasse apenas um pedaço de noite. Brilhou à luz dos refletores e reluziu purpurinas até que a bateria cessasse. Caiu em negro vazio ao fim do longo percurso.
Antes de invadir avenida, trancou a porta, deixou a casa e andou à deriva. Andaria ainda, se o bloco dos redentos não a tivesse apanhado.
Antes de sair sem rumo, abandonou a cama e o quarto. Permaneceria no seu aconchego, se lá se sentisse aconchegada.
Antes de deixar o leito não respondeu ao toque do homem, porque antes havia dito de sua solidão e vazio e não queria premio de consolação.
Antes de falar de si, rolou na cama, tomada de desejo. Latentes, viviam beijos ardentes, caricias desmedidas e livres, risos francos e despudorados.
Antes, haviam outras noites, outros dias, outras esperas.
Depois, acordou num barracão desconhecido, de paredes imprecisas, cobertas de máscaras, disfarces e vestimentas disformes. Despiu-se das fantasias e do havia antes e antes do antes. Plena de si, saiu, a reinventar-se.