Doce Margarida
Doce Margarida,
Sigo por ruas silenciosas e vazias, mas não vou só. Insisto em carregar-te ao lado e a ti faço confidencias que a ninguém mais ousaria.
Sei que pensas que sou um poço de contradições e não nego, tens razão.
Não a quero perto e não a abandono. Faço de ti a amiga invisível sem, contudo, dar-te o desfrute de minha companhia ou a angústia de minhas incoerências. Temo que a possa perder e temo que estejas a esperar por mim.
No escuro do quarto lembro de ti, Margarida, a olhar-me com olhos de mel e a esperar que depois do sexo a envolvesse com carinho. Eu, a abjurar da entrega, fugia para os cantos escuros da alma.
Faz-me falta a tua doçura e o teu encanto. Mas bem sei, Margarida, que não vim ao mundo preparado para o amor. Cultuo o que me destes e sigo, desterrado de mim.
Tens o direito de deixar-me à deriva e então já não existirão laços com o planeta. Minha estrada não é de terra e, à semelhança de um astronauta desgarrado, vivo sem raízes. De minha nave imaginária espio esse insensato formigueiro humano, do qual nunca consegui ser parte. Quando lançado a ele, desvio dos carros e multidões e nas ruas vazias, dou-me ao estranhamento.
A vida, amiga, não é senão experimentação. Mergulhos descabidos em versões moldadas pela loucura coletiva e confesso, vim ao mundo desprovido da capacidade de pertencer.