Contamos mais de quinhentos anos desde a primeira invasão. Com a colonização, a arte europeia foi espalhada pelo território que antes era compartilhado pelos povos originários, plantas e bichos. Desde a chegada dos portugueses, navios foram aperfeiçoados. Ficaram maiores e mais velozes. Motores foram criados e, tenho impressão, que a roda foi reinventada. Trens e trilhos, carros e estradas, rádios, aviões, neons e televisão. O mundo ganhou aparelhos e mais aparelhos que replicam infinitamente a palavra escrita ou falada enquanto a prosa das comadres sume do mapa junto com o descanso do fim de tarde. Manufatura, a construção lenta e cuidadosa de cada objeto, virou exceção. Mas, superando todas as formas de opressão, muitos grupos de diferentes etnias, resistem. Uns mantém seus saberes pré cabralinos. Outros resgatam parte do que perderam. E todos nos ensinam que há outras maneiras de viver, que retratam em sua arte. A arte da humanidade que cultivam através dos tempos.
Parece distante ou fora de alcance, mas há, em Curitiba um espaço gostoso e bem cuidado, que mantém, para exposição e venda, a Arte Original dos Povos Originários.
Xondaro fica na rua Tibagi, 333, lj 1, no centro de Curitiba e alguns produtos estão na página da loja: facebook.com/xondarocwb.
A Vida pede. Viva mais Cultura.”
(da página da Caixa Cultural de Curitiba, no Facebook)
Não estive muito tempo com o grupo que, na sexta feira, 08 de julho de 2016, ocupou o espaço da Caixa Cultural de Curitiba. Foram apenas duas horas. Tempo que eles levaram para se reunir e organizar a ocupação relâmpago no espaço de entrada do prédio. Tempo suficiente para compreender seus objetivos e causas.
Sem dúvida, todos, assim como a grande maioria dos brasileiros, querem o fim deste período de exceção e a retomada do mandato da presidente eleita. Mas o foco do debate que aconteceu no inicio das atividades pode ser sintetizado em uma frase: os recursos da união são drenados de todos os setores que fazem parte da área de humanas para engordar bancos e banqueiros.
Não é difícil de entender o argumento. De um lado já temos a maior parte dos recursos da união comprometidos com juros e a amortização da divida pública. Uma auditoria poderia reverter o quadro, ainda que parcialmente. Mas, contrariando o bom senso, as taxas que antes foram forçadas para baixo, agora crescem. E a divida também. Do outro lado, os recursos para Cultura, Ação Social, Moradia, Educação e Saúde somem.
A Caixa Econômica Federal é o banco público responsável pelo transito dos recursos das áreas de humanas. A agência da Caixa da Rua Conselheiro Laurindo aloja espaços culturais como o teatro e espaço para exposições. Por isso a escolheram.
Estamos acostumados com a vinheta “vem pra Caixa você também”, mas, neste final de semana,os integrantes do Cultura Resiste nos alertou: enquanto o golpe for mantido, seremos todos excluídos, não só da Caixa, mas de todos os bens sociais que ajudamos a construir.
Este é um dos pilares do golpe. Junta-se a ele o desmantelamento das estatais, a entrega de nossos recursos, iniciando pelo Pré-Sal. E não podemos descartar o alastramento de domínio que as bases americanas instaladas no continente representam.
Precisamos todos, de todas as áreas, dizer não ao golpe para que possamos ter uma nação que nos abrigue.
Indicamos uma postagem antiga de Auditoria Cidadã da Divida. Embora escrito antes da queda dos juros, ajudará a entender o alerta do Cultura Resiste.
“ Ainda não fiz meu autorretrato, mas já estou me vendo por dentro. Como isso é magnífico, lindo demais
Foi simples para me descobrir: através da dança. Uma coreografia que quase não é conhecida no meio artístico, por preconceito da sociedade. Dança que exige toda sensualidade do corpo em movimentos encantados, expressão leve. É a única dança que não pode ter o toque dos pares. Eu me vejo livre como uma ave pairando entre montanhas: a dança cigana…”
Valle dos Sonhos – um passado real
Marlene de Oliveira
Afirmo, sem ter dúvidas, que a falta de vínculos ou a ausência total de afeto promove a morte tanto quando a desnutrição.
Quando olhos cuidadosos não acariciam a criança, quando mãos seguras não são estendidas, quando não há cuidados disponíveis, o universo vira escuridão e o fio da vida pode ser cortado. Mas há quem sobreviva em famílias que não acolhem. Nestes casos pode-se verificar que algum amparo veio de fora, de outros olhos, de pessoas que não pertencem ao núcleo familiar. As vezes são fios intermitentes de luz, capazes que alimentar a força. Quando esses fios deixam de existir, a escuridão triunfa.
Este poderia ser o resumo da vida de Marlene de Oliveira, mas ela mereceu um feixe adicional de luz, decidiu continuar, superar, contar e pintar sua história e renascer na dança.
Neste texto não repetiremos todo relato da trajetória de Marlene, que pode ser conhecido com as palavras da protagonista, no livro Valle dos Sonhos – Um passado real, editado pela J. M.Editora. Também pode ser vivenciado numa incrível sequencia de telas pintadas a óleo, que ocupam cinco paredes da casa que ela construiu com suas mãos. Na galeria abaixo, mostramos algumas.
Vamos partir do ponto em que, depois de arrastar um carrinho pelas ruas catando o sustento seu e das filhas, de trabalhar na faxina de hospitais, doente, sem trabalho e com rejeição da família, Marlene sucumbiu. E este foi ponto de seu renascimento. Ela recebeu e aceitou o olhar cuidadoso de um médico, acatou o apoio e tornou-se seu próprio amparo.
Foi preciso que um olhar amoroso, aqui entendido como de amor universal, a impulsionasse. Foi preciso que usasse a palavra – verbal e escrita – para expurgar a dor. Foi preciso pintar em fundo branco para expelir a escuridão que carregava consigo e só então pode ser a dona de si mesma.
A ruptura foi marcada pela quebra da lei do silêncio, imposto pela família, ao qual ela se submeteu. Falou, escreveu e pintou sua trajetória, até que pudesse deixá-la no passado.
É neste ponto que nasce a bailarina de dança cigana.
Depois de aprender a dançar e de sua história ser conhecida, ela passou a fazer apresentações e a participar de eventos como reuniões, conferencias e encontros, com o propósito de impulsionar o resgate de outras mulheres vitimas de violência. Participa com sua dança, relatando sua experiência de vida, apresentando seu livro ou expondo suas pinturas. Trabalho voluntário que pode sr constatado nos inúmeros álbuns postados na sua página no Facebook e da qual nos autorizou a reprodução de algumas.
Marlene participa para dizer a outras mulheres que é possível assumir as rédeas, quebrar o circuito de violência a que estão submetidas e ter uma vida digna. Ela parece repetir: eu consegui, você também pode.
Marlene é exemplo. É modelo a espelhar e, exatamente por isso faz-se necessário considerar um aspecto relevante na sua história. A primeira opressão relatada tem origem na própria mãe. O primeiro modelo desse padrão ambíguo, que mescla sentimentos de proteção e desamparo com violência, foi daquela que se deixava sugar pelos homens da família, tratava com violência física e emocional, a filha de mesmo sexo e permitia que recebesse maus tratos dos irmão. Este padrão de relação repete-se ao longo da vida, até que viver deixasse de ter sentido. Este foi o tipo de vínculo com o qual ela precisou romper para ir em frente.
A constatação não é uma acusação e não exime qualquer outro membro. Antes, aponta para necessidade nos pensarmos como mães e mulheres. É também um sinal de que é necessário nos colocarmos atuantes na reconstrução dos valores vigentes, na formação dos padrões de relacionamento de nossos filhos e filhas, na valorização, sem mitificação, de nossa função na família e na sociedade. É preciso educar sem deixar que esqueçam que uma mãe é uma pessoa, não uma heroína de poderes ilimitados. É uma mulher a ser respeitada e não o sexo fraco a ser desconsiderado. Assim ensinamos nossos filhos a respeitar outras mulheres e nossas filhas a não se deixar agredir.
Para quem quer saber mais sobre a guerreira Marlene de Oliveira, disponibilizamos os links: