RUPTURA
Os olhos…aqueles olhos.
Os olhos que ela buscava. Olhos de apoio, olhos de confirmação, olhos afetuosos, olhos de aliança, olhos que abraçariam seu corpo hipotérmico e acenderiam a fé.
Os olhos, aqueles olhos foram olhos conflitivos, depois frios e depois…Depois foram olhos nos quais ela se viu indigna, pérfida, incapaz.
Olhos que a retratavam denegrida. Olhos que a atravessavam como a fria lamina da faca ao lado.
Quis se refazer, se redesenhar, se repaginar naqueles olhos. Mas era nada. Era vazio, era coisa alguma e se era alguma coisa era coisa menor, era menos, um monstrengo, uma deformação de mulher.
Ainda se debatia, tentava puxar um fio do que era, e quanto mais tentava, mais se enredava naquela coisa, e quanto mais se enredava mais tentava e mais queria que aqueles olhos aquecessem, aquiescessem, acariciassem e mais nada era, coisa nenhuma, coisa disforme.
Mais tentava, mais sentia a prisão, e palavra alguma tinha efeito contrario, senão mais e mais tinha efeito de corte de faca de fio afiado. Corte da faca ao lado.
Era nada e nada não vive e se vive por que vive? Para que vive o tormento?
Palavra nenhuma, argumento algum, fala alguma desfazia o frio dos olhos que retaliavam.
Gritava todos os gritos e grito algum alterava nada e nos olhos o retrato indigno e definitivo a prendiam e destroçavam o que poderia ser. Destroçavam com finos cortes, como seriam finos e frios os cortes da faca ao lado.
A faca ao lado no pulso… a faca ao lado …
Nenhum grito, nenhuma palavra, nenhum argumento…Os olhos a retratavam e prendiam e denegriam e ela sabia que era preciso romper, sair, escapulir.
A faca ao lado… a faca no pulso…
A alma gritando tormento: o fio da faca, não!
A luta, a sombra vazia, a faca no pulso. A faca não!
Precipitou-se porta à fora, apanhou o pano branco que balançava no varal, cobriu a cabeça e fugiu.
Palavras, nunca mais falou.
Gritos, nunca mais gritou.
Olhos acusadores, nunca mais olhou.