A ENTREGA
Era desatenta de si. Tão desatenta que vibrou a emoção que outros olhos desencadeavam sem perceber que pulsava aceleradamente. Foi preciso que os olhos do outro fossem também um corpo, num palco, a marcar a concretude dos sons, para que a própria demanda a chamasse.
Era desatenta de si. Tão desatenta que não alcançou o banalíssimo desejo a abrir a alma para vida.
Talvez a emoção acordasse as células, os olhos brilhassem e a voz denunciasse a alegria introspectada. Talvez o corpo exalasse cheiro de paixão desperta, mas ela, desconexa de si, brincou e sorriu sem mergulhar nos olhos que a incendiavam. Foi preciso depara-se com as imagens do outro para que a profundidade conflitiva daqueles olhos a confrontasse e ela, perplexa, rompesse com o presente.
No presente, era desatenta de si. Tão desatenta que mergulhou na emoção de outro tempo. De um tempo que não conseguia precisar, apesar do êxtase. Talvez do tempo de cigana desgarrada, que seduzia e encantava, dançando alucinadamente! E na alucinação, mergulhou naqueles olhos profundos e entregou-se em todos os tempos possíveis.