DÁDIVAS
Sentaram na pedra morna e de lá fitavam a baía, o verde das montanhas e o casario à beira mar. Antes atravessaram o sambaqui cortado pelo caminho irregular e, sem pressa, subiram o maciço. Ela deixou-se ladear pelos meninos, que cansados das brincadeiras de rua, logo estenderam o corpo. Falaram do calor contido na pedra e passaram a seguir as raras nuvens que passeavam no azul iluminado pelo sol que, à direita, avançava para trás dos morros.
Àquela hora o vento deveria encrespar as águas da baía, mas não. A maré cheia chegou lenta e sem as tremulações comuns da primavera. Ondas mínimas batiam nas pedras, fazendo rolar os seixos. Ela seguia o vai e vem de cabeça vazia e em paz.
Os meninos seguiam as nuvens, a marola rolava seixos, o sol pintava o céu com tons de pérola, os barcos iam e viam. Os meninos, as ondas, o sol, os barcos, a cabeça vazia de pensamentos… Deitou um tempo ao lado dos filhos e aproveitou o morno da pedra até que um barco maior a desacomodasse. Ergueu o corpo e o seguiu a sumir entre ilhotas verdes. Não retornou. Mergulhou noutro tempo, saltando para dentro de uma antiga embarcação. Do meio da baía vislumbrava a terra na qual pisaria sem regozijo. Já não suportava a sujeira, o espaço restrito dividido com tralhas, o trabalho exaustivo e incessante, a roupa surrada e grudenta, mas não acalentava esperança. Era um corpo duro e pronto para o confronto Ainda assim atentava para o verde ininterrupto que ia da orla aos picos da muralha, espreitando fuga.
O menino tocou o braço da mulher e a trouxe de outro tempo para a tarde de primavera sem vento. Apreciaram o pôr do sol avermelhado e depois seguiram de braços dados pelo caminho que cruzava o sambaqui. Mais tarde pensaria na estranha viagem que atravessara o sossego de sua tarde. Mais tarde, porque naquele momento dava vazão à dádiva dos abraços e da esperança.
Assim está muito bom. Ah, fiz uma ilustração para o abraço. Você está cada dia melhor
Thanks for the share!
Nancy.R